As novas ‘Serras Peladas’

Uma mistura perigosa de incentivo governamental, ações de grupos armados, grileiros de terras, aventureiros, madeireiros e milicianos rurais desencadeou um processo de exploração, que inclui uma nova ‘febre do ouro’ na região amazônica de uns anos para cá, especialmente entre 2019 e 2021. As ações desses grupos visam terras indígenas e avançam sobre áreas sobre as quais os órgãos de fiscalização afrouxaram a vigilância, segundo apontam relatórios de diversas entidades que acompanham o crescimento da violência na região Norte do país.

Existe um mercado ilegal de aeronaves, máquinas e equipamentos, principalmente para atividades de garimpo em terras indígenas Yanomami, mostrou reportagem do portal Repórter Brasil, de junho deste ano. São cerca de R$ 200 mil por semana investidos pelos aventureiros somente no pagamento de aeronaves. Leia a reportagem completa aqui. Não se trata, obviamente, da estrutura até certo ponto arcaica dos tempos de garimpagem nas serras da região nas diversas corridas do ouro do passado recente.

As investidas, que visam criar novas ‘Serras Peladas’ na região Norte do país, são diferentes daquelas celebrizadas nas imagens do premiado fotógrafo mineiro Sebastião Salgado. Centenas das milhares de pessoas envolvidas no garimpo de Serra Pelada, no Pará, ainda na década de 1980, tiveram seus rostos e rotinas registrados pelas lentes de Salgado, marcando a história da exploração mineral e correndo o mundo pela brutalidade e riquezas envolvidas.

A propósito ainda da lendária Serra Pelada, o cinema brasileiro recriou, em 2013, o universo dos garimpos naquela região numa produção dos diretores Heitor Dhalia e Wagner Moura batizada de “Serra Pelada”. A película nacional retratou a febre do ouro de então, destacando mudança de comportamento das pessoas através de personagens entregues à ambição, cobiça, sofrimento, poder e dominação. Não foi deixada de lado a tentativa do governo militar de exercer algum controle sobre o garimpo – que criou uma nova ‘sociedade’ a 30 quilômetros do local, erguendo uma cidade da noite para o dia, e que até hoje se chama Curionópolis. Essa parte já é história.

De fato, nas novas formas de exploração dos territórios, a cobiça dos garimpeiros nas terras indígenas e áreas de conservação ambiental aliou-se, nos últimos tempos, a uma ‘ocupação’ de órgãos de “defesa indígena e ambiental”, como a Funai e vários outros ancorados nos Ministérios do Meio Ambiente e da Justiça, por pessoas ligadas direta ou indiretamente às áreas de mineração, extração e comercialização de madeiras em diversos pontos do território amazônico.

Essa balbúrdia institucional favorece também o crescimento das monoculturas de soja e outros grãos voltados para exportação pelo chamado agronegócio, uma vez que praticamente sumiram os controles das instituições de Estado legalmente obrigadas a reger a ocupação do solo e garantir a integridade das áreas indígenas e de conservação.

O portal da prestigiosa publicação National Geographic Brasil fez uma extensa reportagem sobre o que chamou de a “Capital do garimpo ilegal de ouro na Amazônia” (ver aqui), onde mostra o cotidiano de intensa movimentação dos garimpeiros e toda sorte de exploradores na região do Alto Tapajós, no Estado do Pará.

A matéria apontou que “estima-se que 80 kg de ouro sejam extraídos por semana, a maior parte em terras indígenas e unidades de conservação”. Tudo, aparentemente, sob o olhar complacente das autoridades federais, estaduais e municipais.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), diversas organizações da sociedade civil e até setores do Ministério Público Federal (MPF) engajadas na defesa histórica dos povos originários fazem denúncias diárias da situação, mas o eco tem sido mais internacional do que nacional. Os exploradores se sentem à vontade para seguir adiante, face até a uma ‘parceria velada’ entre estes e as autoridades constituídas.

Essas investidas mudam a paisagem local, enriquecem grupos de uma hora para a outra, movimentam recursos bilionários, em sua maioria de forma ilegal, e deixam rastros de destruição nos biomas, alteram a qualidade de vida dos povos que vivem há muito tempo naquelas terras e fazem o Brasil viver, de novo, o clima de faroeste caboclo que esteve por trás de aventuras como a da Serra Pelada dos anos 80.

Até onde isso vai dar? As respostas são difíceis e tendem a mostrar uma piora das condições, principalmente de quem vivia e ainda vive nesses rincões do país. Porque o interesse dos exploradores é imediato e a vida desses povos depende da manutenção do equilíbrio ambiental, coisa que se perde em alta velocidade. Todos os dias.

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