
Em recente releitura do livro A hora das crianças (Nau Editora, 2015), pensei na capacidade de elaboração que fez do filósofo, sociólogo, tradutor e ensaísta alemão Walter Benjamin um dos intelectuais mais destacados do século 20. Ainda mais quando se conhece uma faceta dele – que deu título à obra em questão – de escrever e apresentar programas radiofônicos voltados exclusivamente para crianças.
Essas peripécias do estudioso da arte, crítico literário mordaz e influente pensador ligado ao círculo filosófico da Escola de Frankfurt, com destaque para seu amigo mais próximo Theodor Adorno, tiveram lugar entre 1927 e 1932, quando o rádio tinha apenas seus primeiros anos de vida na Alemanha. Sua preocupação com questões centrais da formação educacional foi o motor dessa iniciativa, cujos textos integram a obra traduzida no Brasil por Aldo Medeiros.
De fato, imaginar o que um pensador do porte de Walter Benjamin diria para crianças alemãs no seu programa radiofônico seria algo meio fora do normal para os dias atuais, dado que seu universo era dominado pelos estudos e produções da arte, suas expressões mais elaboradas, seu papel e a política, dentre os temas “adultos”.
Além do mais, suas traduções de Charles Baudelaire e Marcel Proust, por exemplo, dariam a entender que nada teria a dizer a criaturas ainda em formação. Como falar de “estética”, assunto por demais complexo, para quem ainda circunda questões relativas ao idioma, brincadeiras e outras atividades tipicamente infantis? O desafio foi aceito e cumprido por ele de forma impressionante, o que reforça sua perspicácia e inteligência.
Os programas elaborados por ele para crianças, transmitidos por emissoras de rádio de Berlim e Frankfurt, abarcavam temas como arte, política, cultura, história, estética, memórias etc. E qual era o nível das falas? Benjamin mesclava linguagem adulta à dos pequenos, enxertando piadas sobre a vida e o cotidiano berlinense, enquanto falava da cultura na cidade, do povo e de episódios comezinhos, sempre num tom que sabia chegar de algum modo ao coração dos pequenos ouvintes.
Era da sua natureza e integrava seu cabedal de estudos o pensar a educação infantil como integração dos “pequenos cidadãos” ao universo adulto, não fazendo-os pensar ou agir como gente grande, mas reconhecendo-os como parte da sociedade, e não meros coadjuvantes. A chave do sucesso dessa empreitada dele estava no bom humor.
Nos textos usados por ele como base para as narrativas radiofônicas, as histórias traziam curiosidades sobre o falar alemão. Noutra hora, questões da natureza, medos da humanidade, acontecimentos históricos importantes, críticas ao modo como os adultos viviam, quase sempre com pequenas “promessas” de contar uma anedota no próximo programa ou ao final daquele mesmo em que falava de temas aparentemente complexos.
Assim, Benjamin relatava como eram as feiras, seus personagens centrais, o que se comprava e se vendia e a linguagem dos feirantes e donas de casa. Em programas seguintes, discorria sobre teatro de marionetes, contava pormenores sobre o teatro chinês ou como era grande o Rio Mississipi, não deixando de lado até suas viagens e descobertas por outras regiões do mundo, em particular por outros países europeus.
Profundo conhecedor das culturas francesa e alemã, Walter Benjamin foi vítima das perseguições impingidas pelo nazismo aos intelectuais, em particular por sua aproximação com a marxismo, o pensamento crítico e por ser judeu alemão. Seu suicídio, em 1940, está ligado ao processo de expansão nazista na Europa nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial.
Suas marcas, todavia, ultrapassaram o século 20 e estão até hoje em estudos sobre arte, cultura, crítica literária, modernidade, estética e formas de expressão do pensamento, como fez durante o tempo em que influenciou a nata dos pensadores integrantes da prestigiosa Escola de Frankfurt.
Relembrar essas passagens de Benjamim pelo universo infantil me faz acreditar o quanto é importante se pensar em um tratamento adequado na linguagem voltada para esse público.
A lição que fica é: não se deve desprezar a capacidade de compreensão, de elaboração e de crítica das crianças. Isso vale para o que eu escrevo nos meus livros, para o que converso com elas em encontros e palestras, mas vale também para pais, professores e demais envolvidos no processo de formação intelectual e educacional.
Djair é preciso nas palavras e neste espaço escreve na medida certa. A partir do exemplo do célebre Walter Benjamin, depreende-se que o maior desafio para conquistar a atenção das crianças (e, ao mesmo tempo, ensiná-las) talvez seja como encontrar a “chave” para adequar a linguagem dos adultos ao universo infantil, e desde que essa tentativa não dê margem a uma sensação de que elas estejam sendo eventualmente subestimadas. Aprendemos muito com o Autor.
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Grato, prezado Jônatas! O mundo que se quer construir da melhor forma é feito de crianças leitoras e de adultos preocupados com esse processo, como você defende”. Abraços e obrigado pelas considerações!
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Excelente texto!
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Gostei da abordagem! Parabéns!
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A boa formação de nossas crianças possuí um valor ímpar. Seus livros são bons exemplos de influências positivas com linguagem adequada para nossos pequenos.
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João, é isso que eu busco sempre quando começo a escrever um novo livro! Valeu!
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