15 anos da ‘Moratória da Soja’ e o agravamento da exploração da Amazônia

Área no Mato Grosso – Foto de Alberto César/Amazônia Real – Reprodução

Uma investigação conduzida pelo Greenpeace em 2006 no Brasil, nos EUA e na Europa resultou no robusto relatório intitulado Comendo a Amazônia, cujos dados denunciavam à época a conivência de corporações multinacionais produtoras de grãos e sementes e cadeias de restaurantes com o desmatamento, a grilagem de terras e o trabalho escravo em fazendas ilegais na região.

Com base no relatório (veja aqui a íntegra do documento), a ONG desencadeou uma série de ações ao redor do mundo que associavam a imagem desses conglomerados, em sua maioria sediados nos EUA, a esquemas ilegais da produção de soja no Brasil. A estratégia, que acabou vitoriosa, era arrancar deles o compromisso de deixar de comprar por um determinado período o principal produto do agronegócio brasileiro proveniente de esquemas ilegais – o que ficou conhecido como “Moratória da Soja”.

Passados 15 anos da divulgação do relatório e das ações do Greenpeace, muita coisa mudou – para pior – naquele que é um dos mais ricos biomas do planeta: avanço das fronteiras de soja, mais pastagens, recrudescimento das queimadas, sucessivos recordes de áreas desmatadas a cada ano, aumento do garimpo ilegal, principalmente em terras indígenas, novos conflitos agrários, ações armadas de milícias rurais e interferência governamental praticamente nula para coibir crimes ambientais e garantir a sobrevivência de populações originárias locais.

A produção de soja em diversos estados que compõem as fronteiras agrícolas do território amazônico, iniciada décadas atrás, é parte de um processo de exploração do chamado agronegócio, mas as ações dos grupos que atuam entre o Cerrado e a Amazônia vão muito além da produção de grãos. Nesse período, de fato, houve uma expansão de atividades que não guardam relação direta com o cultivo sojeiro, como a exploração madeireira ilegal e os garimpos, mas é notório o interesse de agricultores exportadores de soja nas terras indígenas. O clima é de tensão permanente, com ações e articulações políticas no Congresso, por meio da Bancada Ruralista e apoiadores no governo.

O portal jornalístico e de análises Amazônia Real, especializado na cobertura da região, publicou no final de julho deste ano um balanço dos 15 anos do fechamento do mercado para o grão vindo de desmatamentos ocorridos a partir da data de assinatura da Moratória da Soja – realizada em 2006, mas que passou a valer efetivamente em 2008, e o resultado se revelou pior do que aquilo que muitos analistas ligados ao setor previam.

Passados 15 anos, os dados alarmantes de aumento do desmatamento na Amazônia, a instalação de empreendimentos violadores de direitos que garantiriam estrutura para a produção e escoamento dos grãos (como os portos da Cargill em Santarém e em Itaituba, no Pará) e a franca expansão da monocultura da soja põem em xeque a sustentabilidade deste acordo”, destaca um dos trechos da reportagem 15 anos da moratória da soja: a mágica de dados que fez o agronegócio crescer e a floresta desaparecer, do Amazônia Real (veja aqui a matéria completa).

Ainda sobre os problemas causados pela expansão da cultivo da soja na região Amazônica em relação ao pactuado lá atrás, os dados citados pela Organização Não Governamental Terra de Direitos – que assina a reportagem do Amazônia Real acima citada – mostram que há uma clara violação aos termos da moratória: “Em 2021 foram identificados 108 mil hectares de lavouras de soja em não conformidade com a moratória, que representam 2% de toda a área de soja cultivada no bioma Amazônia na safra 2019/20. De acordo com a ABIOVE, as propriedades identificadas em não conformidade recebem sansões comerciais, sendo impedidas de comercializar sua produção com as empresas signatárias da moratória”.

Na prática, o que ocorre com a soja em vastas áreas daquele bioma reforça a necessidade de o país retomar o controle das ações de fiscalização ambiental, afrouxadas ainda no governo Temer e praticamente anuladas pela administração Bolsonaro, num processo conhecido como “passar a boiada”. O termo surgiu de uma frase dita em reunião ministerial, em maio de 2020, pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. É de conhecimento público o desmonte promovido na gestão Salles dos principais órgãos federais de proteção, fiscalização e combate aos crimes ambientais, tais como Ibama e ICMBio.

Frase dita pelo ex-ministro Salles em reunião ministerial – BuzzFeed/Reprodução

De fato, a monocultura de grãos como a soja nas regiões que compõem a Amazônia Brasileira e demais questões da exploração daquele território refletem alguns dos grandes desafios para o país voltar a ser visto como confiável pela comunidade internacional. E não somente por isso: para ter a condição básica de garantir a conservação de um dos principais biomas do planeta, cuja existência interfere no equilíbrio do clima da Terra, conforme estudos de importantes organismos científicos ligados à ONU e instituições multilaterais que o Brasil integra.

Por fim, não custa lembrar que a agricultura familiar brasileira é responsável pela maior parte dos empregos no campo e carrega nas costas a produção de 60% do que é servido à mesa da população do país todos os dias. O portal Repórter Brasil compilou dados a esse respeito em reportagem que mostra o desnível entre o que é oferecido pelos órgãos governamentais ao agronegócio e aos pequenos agricultores familiares brasileiros. Clique aqui para ler.

Um assunto, sem dúvida, que renderá muito, ainda mais com o Brasil sob o olhar crítico do mundo inteiro acerca da condução das questões ambientais em nosso território.

ATUALIZAÇÃO – 21h 58 – 30/08/2021 – Após distribuição do artigo acima aos assinantes, o autor resolveu fazer uma atualização a partir de reportagem correlata ao tema assinada dia 28 deste mês pelo jornalista José Casado na edição online da revista Veja com o título Vem aí o auxílio-agrenegócio (veja aqui).

Na apresentação do texto, Casado afirma: “Nunca se ganhou tanto dinheiro no campo, mas pretende-se uma nova rodada de refinanciamento de dívidas da agricultura, com desconte de até 100% nos juros“.

Como se percebe, a vida do agricultor familiar não está boa, mas as ditas famílias agroexportadoras estão com as burras cheias de dinheiro. Público, inclusive.

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