Quem mandou você crescer?

Personagens da infância de muita gente: turmas do Mário e do Sonic

Em algum momento, suponho, todo mundo já fez essa pergunta a si próprio. Ou já ouviu de alguém, leu em algum lugar ou viveu situações em que esta cabia perfeitamente: quem mandou você crescer? Tem a ver, claro, com a antiga discussão sobre os rituais de passagem e as mudanças pelas quais todos passamos ao longo da nossa existência. De quando nos tornamos gente grande e abandonamos o comportamento típico das crianças.

Somos cobrados e nos cobramos a esse respeito durante anos a fio. Em vários lugares e momentos. No trabalho, brincadeiras são tidas como ‘infantis’ por colegas ou chefes. No tempo em que vamos à faculdade, nem se fala: mulheres não gostam de ‘homens infantis’ e homens tendem a descartar relacionamentos com mulheres ‘que agem como meninas’. E nas rodas de amigos? Bom, todo mundo sabe, a aparência de crescimento vale muito.

Afinal, o comportamento adulto, responsável, preparado, pronto para agir, tomar atitudes, gerenciar crises, olhar mil coisas; a vida, cuidar de carro, casa, filhos, emprego, o dinheiro, as contas, os boletos, compromissos; e tem a falta de tempo, viagens, passaportes, documentos, aparência física, o corpo, a academia, a piscina, a praia… O mundo ficou complexo demais para quem vive pensando em coisas da infância.

É regra que, em algum tempo, todo mundo teve vontade de ser maior de idade para conseguir entrar num bar, numa festa, beber algo, sair sozinho, não dar muita satisfação em casa, viver a vida como bem entender, ir morar junto por aí com um amigo (a), namorada (o), ter o caso que quiser etc etc etc. Coisas da vida adulta, proibidas para crianças. Não podíamos nem sonhar com isso enquanto estávamos debaixo das ordens de casa. Um dia você cresce, vira adulto, dono ou dona do seu nariz e vai viver como gente grande. E daí? O que realmente muda?

Mas e quando bate o arrependimento de viver enredado entre tantos compromissos? E quando você olha para trás e pensa no tipo de adulto que se tornou?

Bom, como aqui não é consultório e nem site de analista ou de especialista algum, findam suposições e as perguntas e questões permanecem em aberto e se acumulam, principalmente em relação a muito do que foi dito antes e logo acima. O texto, a rigor, surgiu daqueles momentos em que você pensa como era bom o tempo de criança – e tem mais um Dia das Crianças chegando, não é mesmo?

A gente se sente tentado a pensar como eram bons aqueles tempos. Liga o reprodutor mental de lembranças e muita coisa vem à mente, como num filminho pessoal: as brincadeiras, convivências, lugares, roupas de época, filmes, desenhos animados, músicas, cidades por onde passamos, as novidades, gibis, as cores, os seriados de TV, os carros daqueles tempos. E as primeiras vezes de muitas coisas das nossas vidas? Andar de bicicleta, estourar chicletes, jogar bola de gude, peão, montar casinhas de bonecas, provar roupas, inventar histórias mirabolantes, de príncipes, princesas, reinos distantes, viagens imaginárias, ruas, países, mundos, universos paralelos, jogos, parques, passeios.

Teve também o primeiro beijo, a primeira paixão, as descobertas, as mudanças do corpo, colégios, turmas, o videogame, o futebol, os jogos, quintais, casas, amizades, mudanças de lugares, famílias novas, vizinhos e vizinhas, igreja, sindicato, os brinquedos, clube, piscina, ida para conhecer o mar (ou não), rios, sítios, chácaras, violão, música, fogueira, noites de lua, escuridão, doces, festas, aniversários, casamentos, batizados, comidas prediletas, cheiros das casas, parentes, tias, avós, primos e primas, irmãos e irmãs, conhecidos, sua rua, seu bairro, missas, cultos, celebrações do universo afro, a moda, os cortes de cabelo, medo, histórias de terror, cinema, heróis, fantasmas…

A lista seria praticamente infinita se fosse citar situação por situação, coisa que não cabe no texto e tornaria a prosa por demais cansativa. Porque a intenção aqui é provocar as lembranças e responder muito pouco. É mais estimular a pergunta que dá título ao artigo.

E voltar para ela: quem mandou você crescer?

Ninguém é obrigado a morrer de saudade e nem deixar tudo sem resposta. A ideia é lembrar de coisas que fizemos e pensar que tudo isso morre quando sumimos com a criança interior que quer sobreviver dentro de nós.

E cada um sabe a fórmula única e pessoal de fazer isso valer. Não tenho uma que sirva para ninguém, mas sei muito bem como fazer isso acontecer comigo – de manter viva a criança que sempre fui e gosto que exista, mesmo com todo os problemas e compromissos que a vida de adulto me impôs e me impõe.

Mas isso é assunto para uma noite de escuridão, à luz do fogo.

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