
O escritor italiano Italo Calvino recolheu esse relato popular pelo interior da Itália quando estava preparando seu livro 450 Fábulas Italianas, uma encomenda do seu editor, que desejava inscrever o país no circuito dos grandes celeiros de contos e histórias populares. A história é curiosa, embora o enredo seja simples e rico no reforço da tradição segundo a qual ninguém vive para sempre.
Começa assim: um jovem se despede dos parentes, numa terra distante, e sai em busca da realização do inusitado desejo de viver “no lugar onde nunca se morre”. Sua aventura tem início ao perguntar aos passantes se alguém sabia da existência da tal terra. Diante de negativas, segue adiante.
Após por dias, o jovem encontra um senhor de barbas brancas, com uma picareta, no sopé de um amontanha gigantesca e repete a pergunta de sempre: “O senhor saberia me informar onde fica a terra onde nunca se morre?”. O velho responde:
– Não sei, mas se você ficar comigo aqui poderá viver até eu derrubar toda essa montanha com essa picareta!
– Quanto tempo acha que levará?
– Uns 200 anos!
– Grato! Só quero o lugar onde nunca se morre!
Seguindo adiante, caminhou, caminhou, caminhou. E encontrou outro senhor, ainda mais idoso, de barbas ainda mais brancas. E repetiu seu rosário, tendo como resposta algo semelhante, mudando apenas o tempo que o homem levaria para concluir sua tarefa.
– Se me ajudar a secar essa parte do mar com essa caneca, viverá 300 anos a mais!
Desconsolado e agradecido, o jovem seguiu em frente. Demorou alguns dias e encontrou mais um homem, agora um senhor com aparência de uns 300 anos. Ele também não sabia da tal terra que o rapaz tanto buscava. Disse que ambos poderiam viver mais de 500 anos se ele o ajudasse na tarefa de cortar todas as árvores de uma floresta com uma pequena faca que portava. Mais uma vez, como sempre fazia diante da negativa do lugar que ansiava encontrar, o moço andarilho pegou a estrada novamente.
Quando já não tinha mais esperanças, encontrou um velhinho corcunda, que lhe garantiu conhecer esse tão sonhado lugar. “Sei e estou indo para lá agora, de volta”, garantiu. Diante da alegria e do entusiasmo do jovem, pediu apenas que ele montasse no mesmo cavalo e foram em direção ao tal território.
Era, na verdade, um imenso castelo que ficava numa área da qual nunca ninguém havia falado. Seria ali o seu novo lar, de onde nunca mais sairia e viveria para sempre.
Ao entrar no castelo, no entanto, o jovem foi questionado se queria viver para sempre, pois ali ninguém morria mesmo. Era a eternidade garantida, mas nunca poderia colocar os pés para fora do castelo. Se topasse, essa era a única condição.
– Nunca, em hipótese alguma? – questionou.
– Se um dia se cansar, devo avisar – disse o velho – poderá sair, mas apenas montado neste cavalo mágico. Se descer dele, por algum motivo, morrerá. Lembre-se disso e viverá para sempre!
Tudo combinado e aceito, acertado e ajustado, o jovem finalmente passou a viver “na terra onde nunca ninguém morria”. Se passaram os dias, meses, anos, séculos, séculos e ele continuava vivendo no castelo.
Como todo ser humano, o rapaz começou a sentir um certo tédio e procurou o dono do castelo para perguntar se havia alguém vivo da sua antiga família, se poderia ir visitar os parentes. Foi lembrado de que todos deveriam ter morrido havia séculos, pois o tempo nem existia mais naquelas paragens.
Mas, se quisesse dar uma volta, bastaria montar no cavalo mágico e ficar o tempo que quisesse perambulando por aí. “Nunca desça do cavalo. Em hipótese alguma”, lembrou o senhor.
Ele fez como ordenado e saiu andando. Estrada após estrada, vila após vila, cidades, vilarejos, outros castelos, outras terras.
Até que um dia, numa estrada, encontrou um velhinho carregando uma curiosa carroça com centenas de pares de sapatos totalmente gastos, furados e sem serventia. Se cumprimentaram.
O rapaz seguiu adiante até ouvir um barulho vindo da carroça. Virando-se, avistou o velhinho tentando consertar a roda do veículo, que havia caído na lateral. O carroceiro fez sinal, pedindo ajuda. Ao chegar perto dele, o jovem lembrou-se da determinação do dono do castelo de “nunca descer do cavalo”. E se recusou a descer para ajudar o homem a colocar a roda de volta.
– Infelizmente, senhor, não posso ajudá-lo. Tenho pressa e muitas coisas para resolver. Terras distantes que ainda preciso visitar. Desculpe-me, mas não posso ajudar!
Numa última tentativa, o velho fez um pedido que lhe pareceu razoável:
– Você não precisa descer do cavalo, amigo. Apenas segure a roda da carroça que eu vou colocar no devido lugar. Pode ser?
Ele fez isso e foi surpreendido pelo braço forte do velhote, que o agarrou e não soltou mais, puxando-o de cima do cavalo. O senhorzinho tinha uma força descomunal. Após várias tentativas, ele viu não conseguia se desvencilhar daquela criatura aparentemente decrépita.
Assustado, quis saber quem era aquele homem que o havia derrubado do cavalo e o que queria com ele. A resposta do velho foi simples, feita por meio de perguntas:
– Não sabe mesmo quem sou eu?
– Claro que não! Para mim não passa de um velhote maluco!
– Vê o que carrego nesta velha carroça?
– Apenas sapatos velhos imprestáveis!
– Pois é, meu jovem! Foram todos os sapatos que usei até furar, à sua procura. E hoje o encontrei e vou te levar!
Era a morte.
Moral da história: ninguém vive para sempre. Mesmo que tente.