

A matéria-prima para a construção dos personagens centrais dos romances Butcher’s Crossing (1960) e Stoner (1965), de John Williams (1922-1994) – editados no Brasil pela Rádio Londres -, foi o sofrimento. Um tipo de literatura que envolveu fases da vida do autor, situações familiares e profissionais que pareciam incontornáveis e, ao mesmo tempo, o triunfo da simplicidade. Pode-se dizer que o professor e pesquisador norte-americano, ao escrever, não tinha motivos para ‘fabricar’ heróis.
Williams fez do sofrimento atroz as vidas de um estudante de Harvard que abandona tudo para viver uma aventura no Oeste perdido na década de 1870 e de um agricultor miserável que acaba se apaixonando pela literatura e vira professor. Virou a existência de ambos de cabeça para baixo para mostrar como os seres humanos, em sua condição primária, não passam de pessoas comuns. Estão hoje numa posição e podem viver numa muito pior em determinado ponto da vida – mesmo que isso signifique até uma conquista aparente.
Nem o jovem estudante Will Andrews, que deixa tudo e parte das vastas pradarias do Kansas para caçar búfalos no Colorado, e encontra o frio e o cheiro da morte todos os dias e, muito menos, o introvertido e improvável professor William Stoner estão preparados para viver o que o autor lhes reservou. Mas serão obrigados a viver o destino inglório. Não conhecem e não experimentam nada além disso.
Essa natureza da vida sem heroísmo não se repete nos dois personagens, e sim o sofrimento, em ambientes e lugares distintos. Eles sofrem como humanos, apenas. Seus dramas, no entanto, são de diferentes ordens. Andrews mergulha no gelo e na aventura por se achar capaz de descobrir, desbravar e suportar tudo o que um jovem – de classe social relativamente elevada – poderia aguentar para ter o que contar depois. E se dá mal na empreitada que tanta almejara ao chegar ao fim de mundo que dá nome ao romance. E Stoner consegue dar alguns passos, a maioria em torno de si mesmo, para se refugiar no conhecimento e na descoberta da literatura, para não repetir a vida paterna.
O leitor dos dois romances é levado a todos os lugares pelo autor. Passeia e sofre. Passa frio e fome, quase morre com as expedições e perigos enfrentados pela equipe de Andrews na caçada aos búfalos. E se compadece da vida sem perspectivas de Stoner, inclusive achando que ele evolui quando vira professor da Universidade de Columbia, mas logo se dá conta de que isso não é a sua vida, mas o atalho para seus sofrimentos. E sua vida atribulada segue universidade adentro.
Stoner e Andrews são duas faces da mesma moeda: seres humanos perdidos na vastidão das terras, dos sonhos e dos desacertos. Suas vidas não caberiam num romance de heróis, mas são um primor de narrativa, dois filmes completos e fáceis de acompanhar.
Mas é preciso sofrer com eles para compreender seus universos. Ou não valerá a pena se interessar por ambos. Os personagens, não os livros, que foram e são até hoje consagrados, mesmo lançados décadas atrás.
Coisa para quem gosta de cinema, a bem da verdade.