Um poema de Manuel Bandeira e o Brasil 74 anos depois

Pessoas procuram comida no lixo em cidade brasileira, 2021/Reprodução
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.

O poema acima, O Bicho, de Manuel Bandeira, foi escrito em 1947. O espanto do poeta pernambucano com a miséria na sociedade brasileira da década de 1940 foi sua forma de denunciar o sofrimento do povo que avistara em algum dos seus deslocamentos. Soou como uma crônica triste feita de versos e de sentimentos que envergonhariam qualquer um.

E o que dizer da realidade vista por Bandeira naquele tempo se apresentar ainda pior no Brasil de 2021? As imagens assustadoras do empobrecimento real da parcela mais vulnerável da sociedade brasileira compõem uma paisagem agravada com a pandemia do coronavírus, desde 2020, e se traduz em números dramáticos: 84,9 milhões de pessoas em nosso país passam fome ou convivem com algum grau de insegurança alimentar. Em termos percentuais, isso corresponde a 41% da população do nosso país. Os dados são do IBGE (leia matéria aqui, do portal IG).

A cidade de São Paulo, superlativa em todos os aspectos do seu cotidiano, também experimenta o crescimento exponencial das populações que vivem o drama narrado – de maneira mais dura na atualidade – pelo poeta de outrora. Calcula-se que a capital paulista tenha, pelo menos, 60 mil pessoas em situação de rua, cuja sobrevivência é garantida pela ação de grupos religiosos, entidades da sociedade civil e abnegados, além de doações de empresas e pessoas anônimas. Um exército de desvalidos sai todos os dias em busca de comida, inclusive nas lixeiras colocadas ao longo das mais de 80 mil ruas e avenidas da metrópole.

É de se pensar que o Brasil, celebrado como “celeiro mundial” na produção agrícola, se veja na condição de país com elevados índices de miserabilidade, segundo dados oficiais e a observação que qualquer um pode fazer andando em sua cidade. Será raro andar por um município brasileiro e não se deparar com cenas como as descritas por Manuel Bandeira – e da foto acima reproduzida.

A esse respeito, o jornalista Chico Alves, do portal UOL, publicou artigo nesta quarta-feira (20/10) refletindo como o nosso país convive com absurdos da riqueza e da miséria crescentes. Leia clicando no link o texto O país rico em que homens disputam a sobrevivência com os ratos.

A “fila do osso”, que ganhou a capa dos jornais recentemente, foi a expressão mais acabada do desespero de famílias inteiras que estão privadas do mínimo para comer durante o dia, não sendo, necessariamente, os mesmos grupos que ora disputam comidas, frutas e hortaliças em lixeiras ou em portas de centros de abastecimento país afora.

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