
“A Suécia começou a vigiar os guardiões do poder há mais de 200 anos. Em 1776, o pais criou a primeira lei de transparência do mundo: caberia à própria população, e a uma imprensa livre, patrulhar os desvios dos poderosos e seus acólitos”.
O trecho acima está no livro Um país sem excelências e mordomias (Geração Editorial, 2014), da jornalista brasileira Claudia Wallin, centrado no funcionamento do estado sueco.
A breve análise que faço a partir deste ponto usa a Suécia apenas como referência, pois a intenção é refletir sobre o que ainda faz o Brasil aceitar a opacidade do Estado e a atuação nebulosa de muitos dos seus agentes públicos.
O livro-reportagem de Wallin lista, com dados, pesquisa de campo e entrevistas com autoridades e políticos, como aquele país escandinavo virou sinônimo de transparência, controle dos atos do poder e cultiva um forte apreço pela condução austera da vida pública.
Resumindo a enorme quantidade de dados e casos citados pela autora apenas no quesito transparência: “Os cidadãos suecos podem acessar gastos de ministros, deputados, vereadores ou juízes; ler e-mails e correspondências oficiais do primeiro-ministro; verificar as despesas do comissário-chefe da Polícia Nacional ou do Comandante Supremo das Forças Armadas; checar dados do imposto de renda de qualquer autoridade…”.
Deixemos a Suécia de lado e voltemos no tempo. Ao Brasil, neste caso.
Qualquer brasileiro na faixa dos 40 anos conhece a canção “Por debaixo dos panos”, composta pela dupla paraibana Antônio Barros e Cecéu, que popularizou a expressão característica da mania nacional de fazer coisas nas sombras, embora isso não seja algo genuinamente nacional como o tal “jeitinho”. A música foi gravada por inúmeros nomes da MPB, mas o que importa aqui é que todo mundo sabe o que significa: transparência nunca foi questão central na vida pública brasileira, mesmo que os autores da composição fizessem de conta que se referiam à esfera privada.
De fato, o país consagrou princípios de transparência na Constituição de 1988, mas os principais dispositivos nessa linha somente foram regulamentados com a promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI, de 2012). Tínhamos, até então, o que os especialistas chamam de “princípio da publicidade”, que nada mais era do que a obrigação dos órgãos públicos e seus agentes de darem “publicidade” aos seus atos.
Acontece que um Estado efetivamente transparente precisa ser proativo, não sendo necessário “esperar” que as pessoas busquem dados que julguem necessários para conhecer os atos de quem ocupa os postos nas estruturas públicas ou quaisquer outros relativos a informações de interesse da sociedade.
Ao contrário de tudo isso, assistimos no Brasil a um movimento que visa tornar opaco o nosso sistema de transparência e esconder cada vez mais os atos, gastos, decisões e até mesmo medidas de caráter geral do funcionamento dos poderes públicos, notadamente no governo federal.
Todo mundo acompanha no noticiário o fetiche do presidente Jair Bolsonaro em decretar “segredo de Estado” – de forma aparentemente arbitrária – a vários procedimentos de governo e de Estado, quase sempre usando a métrica dos “100 anos de sigilo”. O gesto presidencial, todavia, não é único: prefeitos, governadores e gestores de diversos setores, país afora, também fazem o que podem para colocar atos administrativos “debaixo dos panos”.
O acontecimento simbólico desse desvio histórico nacional em matéria de sumiço da transparência foi consagrado no episódio batizado pela imprensa de “Atos Secretos do Senado”, quando se descobriu, em 2014, que durante anos, milhares de atos administrativos daquela Casa Legislativa foram publicados num “boletim clandestino”. Nomeações para cargos, contratações de parentes de senadores e aliados, além de distribuição de benesses a servidores não estavam em quaisquer sistemas públicos. Deu em quase nada e até hoje o caso se arrasta nas instâncias judiciais.
É possível listar uma infinidade de casos, Brasil afora, com exemplos de atos e tentativas de burlar o que dizem as leis relativas à transparência em nosso país.
Não que se queira imitar a Suécia ou ter a ilusão de que chegaremos lá apenas criando leis ou aperfeiçoando as existentes. Temos hoje uma legislação avançada nesse campo. Não é por falta de leis. O que se quer, e é possível ter um dia, é um Estado que respeite o princípio básico que não precisaria de lei alguma para valer: o que não pode ser feito em público, quando é na área pública, é porque esconde alguma intenção. E sabemos que nunca é boa.
Trata-se, enfim, de uma demanda por evolução da sociedade e envolve controles reais do aparelho estatal, sistema de freios e contrapesos efetivo, além de educação, cidadania, burocracia estatal sólida, instituições cumprindo seu papel e cidadãos e cidadãs exercendo seu sagrado direito de cobrar que isso seja efetivo. Ou não faz sentido pensar em sociedade realmente livre.
Excelente artículo
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Gracias, amigo!
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Nobre Dja,
Parabéns pelos seus artigos!
Sigo acompanhando.
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Grato, meu amigo João Vieira! Suas palavras são sempre um incentivo! Abraço e boas leituras!
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