
Anos atrás, numa das minhas constantes idas à periferia da capital paulista, uma cena me prendeu o olhar durante os minutos de transição do semáforo de um grande corredor de tráfego. O trânsito em São Paulo é, de modo enviesado, uma escola a céu aberto de desrespeito e falta de empatia – fenômeno que certamente pode ser observado em vários lugares do país, em cidades entupidas de automóveis por todos os lados.
Antes de contar o fato em si observado no trânsito, bom relacionar sua ocorrência a um comportamento social comum no mundo todo, e nem por isso menos deplorável: a xenofobia. Que, pelos relatos colhidos, acontece entre diferentes camadas da sociedade, incluindo os pobres, desvalidos e despossuídos. No caso das classes médias urbanas e setores detentores de riqueza, esse tipo de discurso – e até de prática por meio de gestos de governos e cidadãos – se deixa seduzir pelas pregações de partidos e organizações de matiz extremista, seja na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo.
Mas vamos ao caso: carro parado, quarto da fileira numa das faixas, vejo o motorista à frente ser abordado por aqueles rapazes que jogam um misto de água e detergente no pára-brisa para angariar um troco qualquer. Só que o cara ao volante não dá a mínima aos apelos do pedinte, sequer virando o rosto enquanto ouve um pedido de ajuda atrás do outro. Segue impassível, quando ocorre a seguinte cena, digna de qualquer cenário xenófobo: irritado com as negativas e o desdém do motorista, o jovem – numa área da avenida conhecida por abrigar grupos de dependentes químicos – começa a soltar comentários depreciativos sobre a origem do proprietário do carro: “Baiano, acha que ficou rico em São Paulo porque tem um carro”; “Devia ser um passa-fome lá na terra dele” e alguns impropérios impublicáveis – que o silente motorista talvez sequer ouvisse por manter seus vidros fechados.
E o que veio a seguir resume esse comportamento: o rapaz se vira para outro colega de limpeza de pára-brisas e tasca: “Ainda bem que nóis é paulista, Zé”, reforçando o preconceito regional, “e não esses baianos do c….”. Vale lembrar que isso não é uma novidade em si, no caso do Brasil ou de diversos lugares do mundo. Os processos de imigração deslocaram, em diferentes nações do planeta, milhões de pessoas que sofriam por conta da fome, da peste ou das guerras. Essa foi uma característica da imigração brasileira. Com o passar do tempo, tomada por um sentimento que mescla preconceito e incorpora ideias típicas do fascismo, muita gente cuja família fez a vida por aqui, passou a adotar esse tipo de comportamento diante dos migrantes do seu próprio país de adoção.
Portanto, é possível perceber que se trata de uma visão de mundo de aparente sedução aos olhos de quem tem condições e até de quem não tem sequer o que comer, pois esse caso que presenciei encontra similares entre brasileiros que tomaram sustos em lugares pobres de Nova York ou noutras cidades cosmopolitas europeias ao serem tratados como “lixo” ou “latinos”, abertamente, por moradores em situação de rua nesses países.
É de se pensar o quanto faz falta uma educação voltada para discutir o respeito à diversidade. E isso começa em casa.