De qual futuro falamos?

Foto por Phuc Pham em Pexels.com

Aprende-se cedo, ou por meio da realidade dura, que é preciso se preparar para o futuro porque ele é incerto. Que somente por meio de estudo e trabalho alcançaremos nossas metas: acesso a um teto, a uma alimentação saudável, a uma boa convivência, roupas, calçados, capacidade de comprar bens com os quais sonhamos e a uma infinidade de coisas que decoramos da publicidade e de ver os outros ao nosso redor. E que o “sucesso”, reunidas algumas dessas condições ou outras mais, nos será franqueado. Então chegaremos ao “futuro” tranquilos, prontos para viver em paz.

O chato desse roteiro é que ele traz inúmeras condicionantes do mundo real: a miséria e a fome reservadas a quase um bilhão de pessoas no planeta, em qual lugar você vive, a pirâmide social, o desemprego, a concentração da renda entre 1% dos seres humanos, as guerras, pandemias, epidemias, doenças, mudanças climáticas ou algum evento pessoal que nos leve antes que qualquer uma dessas coisas piores faça o serviço. E, de novo, o sonho futurista, parece nos escapar. Valendo ou não o tom catastrófico ou dourado com o qual decidimos encarar o assunto, fica a pergunta: de qual futuro falamos?

Sim, sempre que o tema “futuro” volta ao debate mental é natural que se revista de uma certa alegria, pois somos treinados para buscar as melhores experiências, perseguir objetivos (cada um no seu quadrado social), planejar e projetar o que iremos fazer quando se passarem tantos e tantos anos. Existem cálculos matemáticos que orientam especialistas e governos, por exemplo, nas questões das aposentadorias e ganhos que alguém terá – ou não – quando chegarem o tempo e as condições. E é inegável que qualquer pessoa tida como ‘normal’ almeje a tal parada para viver seu tempo de “aposentado”.

A expressão “pendurar as chuteiras”, tomada emprestada do futebol, faz certo sentido na vida real, pois esse momento chegará para todo mundo. E terá como farol o danado do “futuro” – sempre ele a nos perseguir, logo nós que o perseguimos com nossos trabalhos, estudos e projetos. O nosso lugar ao sol estará garantido e, dirão quase todos, “merecido”.

E a pergunta incômoda volta: faremos o que mesmo quando chegar esse tempo? Grudam-se nesse pergunta outras, correlatas: teremos saúde e condições mentais saudáveis para tanto? Não seremos tragados pela tristeza ou algum desses males que assolam a humanidade há décadas, com destaque para as diversas formas de depressão? Quantos anos nos restarão quando o relógio do tempo marcar o início da parada para o futuro? E quais serão as condições sob as quais desfrutaremos desse estado? Não vamos responder nada disso para não complicar ainda mais o que é angustiante e chato.

Mas é possível supor certas coisas relativas a essa fase que tanto batalhamos para construir e conquistar: corremos o risco de ter em mãos boas condições financeiras, mas não de saúde, ou ao contrário; pouca vitalidade física, mas uma mente perfeita, invejável; poderemos nos tornar solitários porque demos importância demais a um cargo que não tinha a força que parecia ter até o paletó ser lavado pela última vez; e a descoberta de que temos menos amigos do que pensávamos.

A tarefa de pensar e chegar numa fórmula acerca disso tudo – ou de algo mais nessa linha – é inútil e improdutiva. Nunca saberemos ao certo, e por isso talvez seja mais fácil continuarmos nossa batalha diária em busca do futuro, seja lá como for. Até por isso a tradição popular cunhou a expressão “o futuro a Deus pertence”, o que também é uma forma de alimentar essa luta rumo a qualquer coisa que não saberemos onde dará.

Talvez fosse difícil aceitar, de fato, que poderemos não ter qualquer futuro, como é o que aguarda a maioria. Mesmo que tem “o futuro garantido” – pelos bens familiares, pela riqueza e pelas posições sociais – sabe que poderá ter tudo o que o dinheiro pode comprar, inclusive uma ‘velhice tranquila’, mesmo assim, não passará de uma ‘velhice’. E, como diz outro ditado popular, “somente a morte é certa”.

Vamos tocando a vida em frente, como disse o poeta e violeiro pantaneiro Almir Sater. Cantar espanta até esse fantasma dos medos do que nos aguarda no tal futuro. É ou não é?

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