
Um consenso se constrói há algumas décadas entre filósofos, especialistas do universo comportamental, sociólogos, estudiosos das linguagens, acadêmicos e até entre curiosos, e se fortalece com o predomínio da internet no cotidiano de bilhões de pessoas no mundo todo: estamos numa encruzilhada sem precedentes quando se trata da maneira como lidamos com a velocidade, a quantidade, a qualidade e a interpretação de informações produzidas, disseminadas e manipuladas a partir dos mecanismos digitais – principalmente com a hegemonia das ditas redes ou mídias sociais. Preocupações dessa natureza tiveram no sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) e no escritor italiano, filósofo e estudioso da semiótica Umberto Eco (1932-2016) dois grandes nomes durante o século 20.
Bauman se notabilizou pela tese da “modernidade líquida”, ao antever que as relações humanas se faziam – e se desfaziam – com rapidez impressionante, em boa parte como fenômeno social provocado por mudanças comportamentais oriundas das relações de consumo engendradas na globalização e no consumismo. Eco, entre estupefato e irritado com a escalada de dominação do ambiente digital, cunhou a famosa avaliação acerca do ‘opinionismo’ vigente nas redes: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel“. A propósito dessa fala dele, publiquei em agosto de 2021 um texto que versa sobre a multiplicação de opiniões proporcionada pelas plataformas digitais (leia aqui).
Parte desses processos estudados por eles e por um rol cada vez maior de pessoas na academia mundo afora, de fato, se relaciona com o modo como o mundo virtual dita as regras nos relacionamentos, na política, na conformação de ideias, inclusive servindo como elemento desagregador de pensamentos, teses e estudos há muito consolidados, seja do ponto de vista científico, seja do chamado senso comum. Essas influências da virtualidade teriam ligação, de modo transversal, com outro aspecto também estudado por um crescente número de estudiosos, o que poderíamos resumir, grosso modo, à imagem do ‘cérebro do Google‘. Isso seria nada mais que uma analogia à crescente dependência que temos dos algoritmos de pesquisa, tais como o Google, para “pensar fora do nosso cérebro”. Ou seja, teríamos uma muleta virtual em nossos equipamentos eletrônicos que se assemelharia a ‘outro cérebro’, sempre pronto a nos ‘responder’ qualquer questão, dúvida, acrescentar dados, guardar datas, nomes, números, história, imagens, vídeos, fotos e tudo mais que a nossa mente “seria incapaz”.
Entregues à nossa incapacidade de lidar com tanta informação, enquanto nos tornamos dependentes desses mecanismos dispostos fora da nossa cabeça, “pensamos, agimos e formamos pessoas” com base em grande número de informações e/ou dados compilados, modificados e ampliados segundo após segundo nas redes planeta afora. Seríamos, dessa forma, quase que um subproduto de toda essa parafernália cibernética. Isso sem falar do mundo sem freio das plataformas de comunicação imediata e de distribuição de “conteúdo”, tais como o WhatsApp e o Telegram, só para citar as mais conhecidas.
Voltamos, nesse sentido, a Bauman e Eco: nossa compreensão de mundo, nossos relacionamentos e modos de expressão teriam a ‘profundidade de um pires’, num pensamento mais ácido. Tudo estaria respondido, pronto e acabado num mero clique no celular, no tablet ou no computador de casa ou da empresa. Nada escaparia ao que o célebre cantor e compositor Gilberto Gil resumiu na letra da música Cérebro Eletrônico. O poeta já mexia com o mundo cibernético de modo crítico desde cedo.
Temos, portanto, um emaranhado de problemas de natureza contemporânea aparentemente insolúveis, e que parecem ter mais e mais possibilidades de agravamento. Isso porque vemos um declínio muito grande do contato com livros, leituras aprofundadas e conhecimentos chamados clássicos ou consolidados no universo das ciências, das artes, da literatura, do cinema e da pesquisa propriamente dita. Vemos, a cada clique (ou a cada encontro de boteco, reunião familiar, de empresa etc), alguém disposto a contestar esse ou aquele pensamento firmado no mundo científico porque o sujeito “recebeu um vídeo que ´prova’ o contrário”.
Um entrave também está nesse e nos demais aspectos que envolvem as plataformas e empresas de mídias digitais, que se esquivam de suas responsabilidades, ao se utilizarem da defesa alargada da ‘liberdade de expressão’ para não intervir nas contendas e denúncias de práticas abusivas de falsificação de informações (as clássicas publicações contra vacinas, por exemplo), reprodução sistemática de mentiras e outros crimes que todos conhecemos.
A encruzilhada é um fato. O que faremos para escapar disso é a incógnita que permanece. E deve piorar um tanto, talvez até descobrirmos que, provavelmente, o dilema não tem solução: vivemos num mundo raso e isso atrai cada vez mais as pessoas. É o tal ‘fundo do poço’ que nunca chega, alertam os críticos mais severos. E que tem milhões dispostos a cavar ainda mais fundo.
Será? O que você acha desse problemão contemporâneo? Vamos pensar, pensar e pensar…
Temas contemporâneos para pensarmos!!
O fato é que o conhecimento nunca termina.
Ahh se todos se interessassem pelas pesquisas……!!!
Parabéns Djair!
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