
Jaron Lanier, cientista da computação e ativista – Foto/Reprodução
* Conteúdo publicado originalmente no meu perfil no Substack
Jaron Lanier é um cientista da computação, músico e, há algum tempo, ativista dos movimentos críticos do uso massivo das ditas “redes sociais” mundo afora. Ele parece estar pregando no deserto desde o lançamento da sua obra Dez Argumentos para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais, publicada nos EUA e no Brasil em 2018 (aqui saiu pela Intrínseca), ao discorrer sobre a manipulação, o abuso dos algoritmos na relação com seus usuários e propor a medida radical que seria todo mundo apagar suas contas virtuais e sumir dali agora mesmo.
Seu passado de desenvolvedor de mecanismos para algumas das redes que hoje critica pode ser uma pedra no sapato que barra o alcance das suas pregações. Lanier já disse, em entrevistas, palestras e congressos em vários lugares do mundo que abandonou o mundo controlado por Facebook, Instagram, Twitter e outros “pelas mesmas razões que deixei as drogas”. Sim, ele se refere dessa forma aos produtos dessas empresas de tecnologia, sediadas em sua grande maioria nos EUA.
Palavras e alertas vindos de quem ocupou cargos importantes na estrutura criadora de botões, controles e páginas das big techs podem soar fortes e, de fato, carregam boa dose de convencimento. Ter sido um “de dentro”também ser lido por quem o vê falando e descendo a lenha nos algoritmos com um pé atrás. Seria, nesse sentido, coisa de arrependido que teria a intenção de se aproveitar do passado para gerar engajamento – do lado de fora do estádio – às suas teses. E não faltam motivos para muitos odiarem as distorções produzidas pelas redes de um modo geral.
É importante lembrar que, além das estratégias viciantes, da vigilância constante exercida pelas corporações sobre os passos dos usuários, do uso abusivo dos dados e das informações sobre a vida e os hábitos destes, as empresas dessa área são acusadas – com fartas provas no mundo inteiro – de interferir nos processos eleitorais e democráticos. Elas faturam bilhões de dólares sendo condescendentes ou vendendo espaço para grupos que espalham fake news, abrem portas para a extrema-direita e para movimentos de viés xenofóbico, racista, homofóbico, terrorista e outros. Tudo isso cobre de razão o antigo homem de confiança das redes.
Aliás, o livro dele é uma preciosidade muito bem estruturada e com escrita leve e instigante. Recomendo sua leitura por ter um conteúdo relevante e nos fazer pensar como chegamos a tudo isso, inclusive por meio de bastidores que deixa todo mundo de cabelo em pé. E suas falas, até certo ponto, guardam coerência com quem fez e continua fazendo esse meu-culpa pelo passado do lado de lá.
O grande lance é o alcance real do que ele diz no livro e do que espalha ao ser ouvido em auditórios de diversos países, universidades e instituições de pesquisa por onde passa. As empresas de tecnologia, ao mesmo tempo em que se preocupam com as revelações e segredos antes ocultos, dão de ombros para figuras como Lanier, por considerar que estariam tirando proveito da experiência que ajudaram a construir. Balela que, claro, apenas esses grupos multibilionários levam a sério – ou aos tribunais – quando resolvem processar seus críticos.
Enfim, uma boa briga que vale a pena ser travada. Convenhamos que pode parecer uma derrota natural, visto que tais redes só crescem em número e seu faturamento, a despeito das demissões em massa e reestruturações que promovem, tenha sido mantido em curva ascendente. Os governos e instituições da sociedade devem, em nome da coletividade e da proteção dos seus sistemas democráticos, buscar mecanismos de regulação e responsabilização dessas redes.
E o que diz diretamente Jaron Lanier, do abandono imediato das contas em redes, deve ficar por conta da consciência de cada um. Ou vamos esperar um despertar para os males, distorções e vícios que essas redes amplificam entre nós?
O assunto não se encerra por aqui.
Pingback: As bigh techs devem ser responsabilizadas | Djair Galvão