Um ET mais maduro

* Texto originalmente publicado no meu perfil no Substack

Sim, é preciso começar dizendo que não é uma continuação e, muito menos, uma releitura do clássico ET – O Extraterrestre, de Steven Spielberg, que estreou no Brasil em dezembro de 1982 e levou multidões aos cinemas do mundo inteiro! O filme em questão, bancado pela Netflix em 2023, é Nosso Amigo Extraordinário, cujo roteiro é mais maduro, conquista o espectador aos poucos e explora o universo do envelhecimento a partir de uma criatura que surge do nada na vida de um trio de solitários num lugarejo perdido daqueles do interior dos EUA.

No longa, um idoso solitário precisa aprender a lidar com uma novidade sem precedentes, com o misterioso e os absurdos naturais que envolvem a queda de uma nave em seu quintal, ainda mais quando uma figura sai de dentro daquele objeto sem falar nada, sem oferecer risco aparente, mas sem dar explicações sobre sua presença por ali – justo na casa de Milton Robinson– personagem vivido por ninguém menos que o consagrado ator britânico Ben Kingsley. Ele é um sujeito fechado e sistemático, que não suporta os cuidados excessivos da filha e ainda tem outros dramas da velhice para dar conta.

O que fazer com um OVNI no quintal e uma inofensiva figura, que reproduz o estereótipo dos extraterrestres, mesmo que mal-acabada e bisonha? Qualquer um correria, se espantaria ao extremo, mas Milton acaba levando o ET para dentro de casa, oferece um quarto, cuidados, comida (ele adora maçãs porque, obviamente, a produção tem o dedo da gigante dos smartphones Apple, só para registrar!) e envolve outras duas mulheres já maduras, que gastam seu tempo entre fazer nada e participar com Milton das sessões da Câmara Municipal da pequena cidade onde moram. O que era para ser um segredo vai virando uma roda-viva de sustos e esconde-esconde. E, por incrível que pareça, cada desafio acrescenta um fio de humor ao senhor ranzinza.

Fotograma de Nosso Amigo Extraordinário/Netflix/ 2023

A vida dele vira completamente: dentre outras medidas, precisa fugir do risco de a filha descobrir e evitar que agentes da Segurança Nacional interceptem os passos do novo amigo. Antes uma figura desocupada e solitária, Milton passa a se preocupar com várias tarefas diárias simultâneas – com a cumplicidade inabalável das amigas Joyce (Jane Curtin) e Sandy (Harriet Sansom). O trio vive para proteger o estranho amigo ET, que os cativou apenas com o olhar.

O filme dá uma rápida passada numa “viagem musical” do cantor e compositor brasileiro Raul Seixas, claro, sem citar nada da obra do baiano: em dado momento, Milton sente a angústia de continuar vivendo a vida modorrenta que tem e se oferece para viajar ao espaço na espaçonave do extraterreste. Isso me fez lembrar a clássica canção “S.OS.”, composta por Raul décadas atrás na qual ele fala para o “moço do disco voador” o levar para onde ele for. Essa referência é exclusivamente minha e eu lembrei na hora numa das cenas lá pelo final do filme.

Outra coisa estranha, meio grotesca e meio poética: sem explicação alguma e apenas por meio de deduções, os três amigos descobrem que o combustível que fará a nave do ET decolar novamente vem de sete gatos mortos. Ou seja, para “ajudar” o amigo, eles precisam encontrar sete bichanos mortos. Essa ideia é muito esquisita demais e achei melhor nem tentar entender de onde isso foi tirado.

No fundo, a intenção do filme é usar da ingenuidade, da empatia e da cumplicidade entre amigos numa condição parecida para dizer que todos podemos nos unir para ajudar alguém. E esse processo pode despertar as melhores coisas que temos. Pelo menos Milton e suas amigas terminam a história felizes. E o ET volta seguro para sua casa até resolver fazer uma visitinha ao seu primeiro anfitrião.

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