Um filme para ‘desver’ na Netflix

Cena de O Mundo Depois de Nós/Netflix/Divulgação

* Conteúdo originalmente publicado no perfil do Substack de Djair Galv’ão

Atores e atrizes de primeira grandeza, locações bonitas e efeitos especiais razoáveis, mas um roteiro fraco e sem entregar o que pretendia ser – uma paulada de suspense e muita tensão: foi assim que vi o filme O Mundo Depois de Nós (Netflix, 2023), um dos grandes sucessos da plataforma, em cartaz desde o ano passado. No caso do time dos talentos de Hollywood em cena, suspeito que o fizeram como quem participa de um clássico “caça-níqueis”, quando os astros e estrelas topam a empreitada por dinheiro, sem levar o trabalho em conta.

Essa primeira avaliação que faço, extremamente azeda, pode esconder minha inveja de não ter emplacado nada do que fiz na vida em plataforma alguma, mas isso não quer dizer que abrirei mão de comentar esse lado do streaming e do cinema de uma maneira geral: como ocorre em muitos casos, produções medianas – e até medíocres – ganham espaço, orçamento e acabam indo parar nas salas de cinema e nas nossas casas. Todo mundo conhece algum filme decepcionante, que ganhou publicidade e foi recomendado por críticos, sites e revistas especializadas e, no fim, não passava de um engodo. Cito outro aqui, que me recordo porque terminei saindo ainda na metade da projeção, de tão ruim que achei: O ditador, protagonizado pelo ator e roteirista britânico Sacha Baron Cohen (no longíquo 2012).

Sou obrigado a recorrer a uma das muitas bobagens produzidas pela internet nos últimos tempos para tentar explicar o esdrúxulo verbo “desver” usado no título deste artigo. É que me lembrei esses dias de um meme muito popular nas redes que usa e abusa da expressão “desver” para ironizar algo, isto é, quando remete ao desejo de apagar da memória aquilo que alguém viu em vídeo/imagem e não gostou. Por isso digo que O Mundo Depois de Nós é um filme para ser “desvisto”, se você teve o azar de ver.

Dito isso, volto novamente as baterias contra a referida película: atores e atrizes do calibre de Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke e Kevin Bacon toparam levar adiante essa aventura cinematográfica por motivos que não consigo entender. Porque, de fato, não se trata de um suspense, mas de uma colagem de teorias da conspiração mal-ajambradas, recheadas do pior que as redes já produziram nos últimos tempos. A rigor, quem mais se adapta ao estilo do roteiro é o brilhante ator Kevin Bacon, cuja aparição ocorre no início do filme e perto do final. A propósito, KBacon faz o único personagem mais próximo do besteirol que conduz a trama.

Posso estar sendo injusto nessa linha de argumentação por não ter lido o livro que inspirou o filme, e até mesmo o que vi na tela me desencorajou a ler a obra, de tão sem graça e sem noção que virou essa produção da Netflix. Poderia ser o caso de gostar do livro e achar a adaptação uma tragédia. Não estou muito animado com a ideia de pagar para ver se daria certo, mesmo sendo um leitor muito curioso. Perdi a vontade só de ver o filme.

A produção não convence como suspense, nem mesmo com uma trilha sonora que tenta induzir o espectador a sentir medo. Até as cenas que carregariam algum terror, como quando o braço de um personagem aparece decepado, sequer metem medo em quem assiste. Além disso, os diálogos sem sal entre personagens tão fora de lugar deixam a entender que o roteiro foi escrito de qualquer maneira, na pressa, sem se preocupar com alguma linha de raciocínio. Outra bola fora: os adolescentes que acompanham os pais na suposta aventura rumo ao “fim do mundo” parecem mais antenados do que os adultos, embora não passem de dois tontos de irritar.

A colagem de teorias da conspiração e supostas teses militares que compõem o roteiro tentam dar o ar de suspense e mistério ao filme, mas não desviam daquilo que realmente são: puro suco de bobagens de redes sociais. Só faltaram algumas coisas para piorar, tais como um idiota qualquer esbravejando contra vacinas, algum maluco cometendo assassinatos em série e aquelas passeatas imundas de neonazistas em alguma cidade do interior dos EUA, país que, aliás, é apresentado no cinema hollywoodiano ou nas plataformas de streaming como “o mundo” em praticamente todos os filmes que versam sobre o fim da vida terrestre.

Encerro por aqui essa minha catilinária contra O Mundo Depois de Nós não sem antes lembrar que o sucesso de determinados filmes não se explica por alguma lógica. Talvez seja exatamente por isso que muitos filmes caem nas graças do público, claro, após engordados por críticas favoráveis e muita grana na divulgação.

Sorte que tem muita coisa boa nas plataformas de streaming para que meu azedume passe em 1, 2, 3…

PS – Vejam e depois me falem. Ou “desvejam” para me contar, se for o caso.

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