Como o prazer pela leitura me fisgou

Cada um percorre seu caminho para virar leitor (a). Vou colar fragmentos mentais do tempo em que o hábito de ler virou atração, desejo e um tipo (delicioso) de obrigação que me persegue décadas a fio.

Foto por Juan Pablo Serrano Arenas em Pexels.com
  • Texto originalmente publicado na plataforma Substack do autor

Esses dias comecei a puxar pela memória minhas primeiras leituras até que estas virassem prazer e hábito. Fica difícil encadear a coisa, pois confesso que isso fez parte de um processo longo, com idas e vindas, autores, autoras, meios diversos e uma espécie de ‘colagem’ do que era disponibilizado pelas multiplataformas aos nascidos e criados entre os anos 1960 e 1980. Antes da internet, das redes e de tudo o mais que se acessa pelos meios digitais. Era um tempo de leitura-raiz, o que não pintarei aqui como sendo pior, melhor ou mais adequado. Não vou inflar meu suposto ego de leitor voraz, mas levantar camadas e tentar entender como isso se deu.

O que me moveu, desde o começo, foi uma curiosidade descontrolada de saber mais. Eu, na família, era uma espécie de PGR (Perguntador-Geral da República) – se é que poderia existir isso. Mas era o chato “perguntador”. Por que isso? Por que aquilo? Quem inventou? Como surgiu isso? Tudo e muito mais. Ficava horas diante da TV, praticamente o único meio naqueles tempos que realizava a “segunda etapa” da educação nas famílias brasileiras depois de algumas horas na escola pública.

No meio do caminho surgiu um irmão (já falecido) que, uma vez ao ano, vinha de férias e trazia para mim e para outro irmão (também já falecido) as suas leituras daquele ano. Eram gibis, alguns livros, revistas e até jornais. Era o período mais esperado do ano. Era como se eu e esse irmão abríssemos uma arca do tesouro. Tinha de tudo, principalmente gibis publicados pela então gigante do Brasil e da América Latina, a Editora Abril. Os clássicos da Disney. Esse tipo de leitura foi, seguramente, a minha porta de entrada para o mundo da leitura. A segunda fresta de atração era a literatura de cordel. Nas feiras e nos lugares por onde andava, recordo com nitidez incrível, procurava folhetos de cordel. Lia e decorava histórias e mais histórias (algumas contei no Podcast Quem Lê, Quem Escreve, disponível aqui no Substack).

Enfim, era por esse caminho que eu construía minha pequena estrada em busca da leitura. Mas havia sempre uma nova picada aberta para me levar a esse ambiente dominado pela curiosidade e pela novidade: o meu pai, embora tivesse uma formação escolar básica – assim como minha mãe -, era um homem que tinha um interesse fora do comum por livros. E, por isso, comprava sempre aquelas Enciclopédias Barsa. Sim, havia homens especializados em andar de porta em porta, Brasil afora, vendendo livros! Eram os famosos “vendedores de enciclopédias”. Adquiridos os diversos volumes, os livrões ocupavam um antigo espaço que desapareceu da maioria das casas com a TV e os “racks”: as estantes de livros, feitas em jacarandá ou outra madeira, geralmente torneadas e em estilo colonial. Quem viveu essa época sabe como era comum em muitos lares brasileiros de famílias com alguma condição financeira.

Portanto, eu me guiava juntando os livros e gibis trazidos anualmente pelo meu irmão mais velho, lia os cordéis e me enfiava nas enciclopédias na estante de casa. E entrou um novo elemento, quando adquiri pequena condição financeira própria, com o primeiro trabalho remunerado: passei a ser frequentador assíduo de bancas de jornal. Todo sábado era uma festa ir em busca das novidades, entre gibis e revistas, livros e outras publicações. Foi uma sequência de novidades. E, sem notar, já havia sido fisgado por um hábito que me acompanha por décadas.

Bom, mas como leitura dialoga com diversos elementos, nada mais natural do que outra mão da área do conhecimento passar a compor meu universo de “leituras”. Agora era a vez do cinema, quando as cidades do interior (e das capitais) do Brasil tinham salas de cinema de rua – tema explorado no filme Retratos Fantasmas, do cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho, indicado ao Oscar 2024. A tela grande era meu atalho para o prazer de ler o mundo criado a partir da imaginação e da ação de atores, diretores e produtores, fossem animações, romances, filmes de faroeste, sessões de Tarzan, dramas, comédias e tantos gêneros que se popularizaram com o tempo. Eram universos que se cruzavam com as leituras tradicionais.

Depois veio a música. E olha como, aparentemente, estou falando de coisas díspares, misturando livros, revistas, jornais, enciclopédias, cinema e música (o teatro só entrou no meu mundo um pouco mais tarde). Parece uma pequena viagem ou uma forçada de mão para conectar isso tudo, mas a real é que as “leituras” se fazem por essas conexões. Ninguém lê o mundo apenas pela mesma lente. E essas expressões, de uma forma ou de outra, bebem e realizam trocas entre si. A literatura é a mãe do cinema, que exige música, se ancora no que diz a imprensa, mistura elementos diversos do teatro e produz uma cadeia que leva, naturalmente, ao conhecimento.

O conhecimento era, de fato, sem querer, aquilo que eu buscava. Era como uma mágica que eu não sabia como acontecia, mas que dava seus frutos: me provocava encantos (como até hoje provoca), me alimentava, me dava prazer e me transportava para outros mundos. E isso, diretamente, me estimulou, com o tempo, a abraçar a carreira jornalística, o mundo da sala de aula e, alguns anos depois, a entrar para o mercado literário e publicar meus três primeiros livros infantis.

Enfim, poderia ficar parágrafos adiante falando e contando coisas sobre esse processo de ser tragado para dentro dos livros – do conhecimento, a rigor – e ter nisso uma fonte inesgotável que se retroalimenta cada vez que leio um livro, assisto a um filme, ouço músicas, toco meu violão ou vou ao teatro.

A grande descoberta foi: tudo está conectado, inclusive pelas conexões que a internet e diversos mecanismos digitais nos permitem hoje. Amo a leitura-raiz, como disse no começo do texto, mas estou buscando um uso mais racional de tudo o que o mundo virtual me permite em termos de ampliação do universo do conhecimento.

E você, leitor e leitora, por onde começou? Como começou? Comente!

PS – Quase me esqueço de citar o rádio, meu companheiro desde cedo, que me fez gostar do jornalismo e aprender novas linguagens que uso para falar, escrever, viver e produzir meus textos. Até hoje sou ouvinte assíduo do rádio, embora muitas emissoras tenham uma programação sofrível, mas isso já é outro papo.

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