
As pessoas estão em lugares da sociedade muito distintos uns dos outros, e isso as leva a diferentes horizontes quando se trata da perspectiva socioeconômica, por exemplo. Mas o universo humano vai muito além de quanto cada um tem (ou não tem) no banco, no bolso ou escondido em algum paraíso fiscal – sem entrar na conta os quase 900 milhões de seres humanos que passam fome no mundo inteiro e, portanto, têm a morte como seu horizonte.
Bilionários, muito ricos, ricos, povo da classe média, remediados, pobres, miseráveis e famélicos: o mundo da economia já tem um pacote completo onde as pessoas são encaixadas perfeitamente, como se tivessem sido projetadas para tal. Em cada canto das divisões sociais e econômicas, cada grupo – ou individualmente – opera uma construção de perspectivas próprias ou como reflexo do que aprendeu a repetir na vida. Daí surgem os horizontes de todo mundo, nos diversos universos humanos.
A intenção real deste artigo é não pensar dentro de cada quintal, de cada casa ou até onde a vista deixa ver pelos muros que nos cercam, em nossos lugares sociais, financeiros ou familiares. É imaginar o quanto todo mundo deveria ter direito a momentos de contemplação do que está fora dos ambientes que frequenta: de casa, do trabalho, dos locais de estudo, convivência social, igrejas, sindicatos, partidos, empresas ou mesmo as ruas por onde se perambula.
Afinal, o que seria essa tal ‘contemplação’ possível – ou ideal – a todos? Algo bem simples, que não requer um dinheiro na mão e nem uma posição social: bastaria parar um pouco e olhar por algum tempo para um local que não nos leve àquilo que nos ocupa ou nos dá o sustento material. Sim, buscar coisas imateriais diariamente, como um exercício de simplicidade: uma árvore perto de casa; um jardim; uma casa ou sobrado antigo; uma rua de paralelepípedos; uma estrada de terra por onde se tem o prazer de caminhar num dia de temperatura amena; a beira de um rio ou do mar; uma via tranquila de uma cidadezinha qualquer; um beco, uma viela ou uma rua onde nunca estivemos antes; uma vista aérea de uma floresta; uma cachoeira; um animal.
A lista de imaterialidades – e até coisas materiais com espírito de inexistência real – é longa e não teria fim, conforme as possibilidades de cada pessoa na cadeia financeira e alimentar da vida: ver uma obra de arte; visitar uma exposição; fotografar; olhar alguém sorrindo; brincar com crianças; distribuir sorrisos; experimentar uma comida nova; lavar as mãos num rio de águas limpas; se banhar na chuva; mergulhar no mar; olhar o sol de final de tarde; ver a Lua, as estrelas, Vênus; sentir cheiro de mato após uma chuva; andar na estradinha de terra enlameada; abraçar amigos e amigas; ouvir bastante, falar o menos possível; degustar sorvetes; tomar chá e café; olhar para o vazio, como numa fuga do próprio celular e das prisões das redes…
A busca pelo vazio temporário nos faz bem, alivia a carga de compromissos que assumimos. Nos tira de momentos angustiantes por algum tempo. Nos transporta para algum lugar. E ser levado a algum lugar por um determinado período, ainda que curto, pode render momentos de reflexão sobre como estamos conduzindo a vida – ou simplesmente sendo conduzidos para lugar algum. Esse é, em geral, o nosso horizonte de pessoas “muito ocupadas” com tudo e com todos. Estamos num vazio de ocupações tão grande que nem percebemos isso como um problema. E tem gente que até se vê melhor – no sentido de não querer se perceber – quando está nesse mar de coisas, de cargas de atividade. Talvez seja exatamente o horizonte que ela tem ou consegue alcançar.
Estamos viciados, é fato, em não construir nada, mas erguer muitas coisas ao longo da vida e dos dias: ideias, futuros, compromissos, empresas, empreendimentos, prédios, casas, aquisições, idas e vindas, produtos e serviços. Queremos, quase sempre, mais do que temos e ainda mais do que precisamos. Todo mundo que tem condições financeiras plenas e sem problemas adiante sabe muito bem que é consumido diariamente pelos produtos que acumula, imaginando que os está consumindo.
Longe de ser um papo trivial e fincado na perspectiva da simplicidade como conceito vazio, isto é, mais como slogan, não estamos pensando nos horizontes que temos, no plano geral da nossa vida. Sempre achamos que a estrada não tem fim, que o futuro vai nos trazer algo glorioso e que nossas projeções serão sempre as que vingarão – e sempre serão concretizadas. Fazemos esse exercício meramente da perspectiva de cada em que acordamos. Então vem o dia, a outra semana, mais um mês, mais um ano e descobrimos que existem coisas que não serão como nossa imaginação projetou.
A realidade é o pior inimigo das nossas fabricações diárias de perspectivas que nossa cabeça projeta sem parar. Nem sempre nos damos conta de que se trata de muita repetição, aquilo que chamamos de realização. Mas seguimos em frente porque a vida nos cobra, as pessoas nos cobram e nossa posição na sociedade exige que se erga a cabeça todo dia e toda hora.
Por isso, imagino, é tão precioso esse cultivo de momentos de simplicidade, do não fazer absolutamente nada sempre que possível, pois é nesses instantes em que somos mais úteis a nós mesmos. A maior parte do tempo estamos servindo a algo ou a alguém, o que nos impede de olhar para fora e para dentro de nós mesmos.
Talvez muita gente que lê estas linhas já seja catedrático na busca pelo vazio e por momentos de solidão ou de contemplação. De fazer um nada que representa o seu melhor momento. Sabemos, por experiência, que aquilo que nos revigora não é, necessariamente, algo que nos pertencerá. Nada nos pertence, mas queremos que isso seja uma máxima. Esse exercício sutil do abandono do que imaginamos pertencer a nós – ou que teimamos em sentir um pertencimento mútuo – é o que poderá nos levar a descobrir novos horizontes. Ou mesmo o nosso horizonte real.
A pergunta se repete: qual é o seu horizonte?