
O consagrado escritor norte-americano Truman Capote foi o típico sujeito que pareceu ter nascido para a ficção, dada sua tormentosa – e movimentada – história pessoal. O sobrenome Capote ele tomou emprestado de um cubano, assim como a paixão pelos acontecimentos que chocaram os EUA durante os anos de sua mais intensa produção intelectual, quando começou a transformar a vida alheia em obras marcantes.
Famoso já aos 20 anos, entre redações onde todo jornalista sonhava em pisar quando jovem, Capote adentrou o mundo dos ricos, das celebridades, do charme, do bom gosto, da leitura profunda, da arte e dos fúteis, roubando-lhes o que tinham de pior e de melhor: o estilo de vida para seus personagens.
Consagrado em 1966 por seu livro A Sangue-Frio, nunca se contentou com essa história de ficar famoso com uma obra e fugir para descansar. Tinha esse pendor natural pelo exagero. Não dormia direito, fazia o que lhe dava na telha e sempre soube que não seria aceito pelo que era, mas pelo que fazia. Manejava como ninguém os elementos da ficção em histórias de sangue e morte, reais, sendo um dos pais do jornalismo literário.
Na sua obra-prima, os eventos reais do assassinato de uma família no estado do Kansas o fizeram construir uma narrativa com pitadas de ficção, num estilo assombroso que poucos conheciam até então. Era jornalismo, era romance, era ficção, era uma sopa de tramas que deixava todo mundo com vontade de repetir.
Como disse antes, sua fome era tanta e sua produção foi tão vasta que não se contentou em ficar olhando a fama correr. Fez de tudo um tanto: romance, novela, ficção, atuou, escreveu roteiros, peças de teatro e uma infinidade de obras de arte com palavras.
As obras de Capote, quase sempre, nasceram do cruzamento entre sua vida e a gente da nata do poder e do dinheiro.
Ao extrair dos ricos seu universo fútil e suas fragilidades, nasceu a novela que o tornou ainda mais conhecido ao ganhar os cinemas: Breakfast at Tiffany’s (Bonequinha de Luxo, na versão em português), de 1958. A adaptação cinematográfica é de 1961, foi dirigida por Blake Edwards, tendo a atriz Audrey Hepburn no papel da bela, frágil, fútil, sapeca e interessante Holly Golightly. No fundo, um tapa na cara dos que se achavam espertos por serem ricos.
Sua fascinação pelo universo real das mortes, sempre com um olhar voltado à transposição deste para o ambiente em que os fatos e a ficção se encontravam, fez Capote parir grandes contos e ensaios – alguns memoráveis. Cito aqui Caixões feitos à mão (de 1979), que narra uma série de crimes ocorridos no interior do Oeste dos EUA com a insólita pista deixada pelo assassino: enviar às vítimas, pelo correio, uma miniatura de um ataúde, entalhado em madeira, com uma fotografia de quem iria matar na sequência.
O complexo universo dos personagens e os acontecimentos que o faziam transformar a dor em arte, o sofrimento em agonia para o leitor, ao driblar as regras rígidas do jornalismo de então, tornaram Capote leitura obrigatória para quem deseja aprender a arte de fatiar palavras e fabricar situações com o real.
Difícil citar obras, ensaios, contos, livros ou outras produções que saíram da mente atordoada do escritor sem o risco de se cometer algum deslize na “escolha” do que seria melhor, fabuloso ou intrigante. O mais fácil é se deixar levar por sua prosa e entrar de leve, como ele soube fazer na vida daqueles com quem dividiu os talheres, pratos e as taças, em rega-bofes caros, com vinhos, uísque e toda sorte de devaneios e atos libertários que praticou.
Se existisse conselho, um certamente seria: comece a ler Capote hoje, busque por seus escritos. Saiba o que estava por trás de Os cães ladram (1973) ou Música para camaleões (1980) – este último publicado quatro anos antes de sua morte. Ou observe como ele construiu o mundo que Audrey Hepburn viveu nas telas.
Por fim, para começar mesmo, sugiro buscar por aí uma relíquia da editora Leya – a famosa coletânea Truman Capote [ensaios], que saiu em 2010 na sua tradução para o português. Eu tenho o meu exemplar até hoje, que me fascina e me fita como ele fazia a cada vez que deixava seu apartamento em Nova York para sugar a vida dos seus personagens e transformá-las para sempre.
Digamos que isso seja apenas o começo para quem gosta de abrir um livro e se sentir levado pela história. E, talvez, o grande lance que Truman sacou ainda moleque, entre as brigas homéricas na casa dos pais, que o fizeram ir parar na casa do padrasto de quem adotou o sobrenome artístico Capote.
PS – Lógico que a vida dele daria um filme, e deu – Capote (2006), interpretado pelo brilhante Philip Seymour Hoffman. Mas cinema é outro papo e fico por aqui com a literatura do gênio.